segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Uma raiva a nascer-me nos dentes?
Nicolau Santos. Expresso, ediçao de 15 de Outubro 2011.
Sr. primeiro-ministro, depois das medidas que anunciou sinto uma força a crescer-me nos dedos e uma raiva a nascer-me nos dentes, como diria o Sérgio Godinho. V.Exa. dirá que está a fazer o que é preciso. Eu direi que V.Exa. faz o que disse que nao faria, faz mais do que deveria e faz sempre contra os mesmos. V.Exa. disse que era um disparate a ideia de cativar o subsídio de Natal. Quando o fez por metade disse que iria vigorar apenas em 2011. Agora cativa a 100% os subsídios de férias e de Natal, como o fará até 2013. Lançou o imposto de solidariedade. Nada disto está no acordo com a troika. A lista de malfeitorias contra os trabalhadores por conta de outrem é extensa, mas V.Exa. diz que as medidas sao suas, mas o défice nao. É verdade que o défice nao é seu, embora já leve quatro meses de manifesta dificuldade em o controlar. Mas as medidas sao suas e do seu ministro das Finanças, um holograma do sr. Otmar Issing, que o incita a lançar uma terrível puniçao sobre este povo ignaro e gastador, obrigando-o a sorver até a última gota a cicuta que o há de conduzir a redençao.
Nao há alternativa? Há sempre alternativa mesmo com uma pistola encostada a cabeça. E o que eu esperava do meu primeiro-ministro é que ele estivesse, de forma incondicional, ao lado do povo que o elegeu e nao dos credores que nos querem extrair até a última gota de sangue. O que eu esperava do meu primeiro-ministro é que ele estivesse a lutar ferozmente nas instâncias internacionais para minimizar os sacrifícios que teremos inevitavelmente de suportar. O que eu esperava do meu primeiro-ministro é que ele explicasse aos Césares que no conforto dos seus gabinetes decretam o sacrifício de povos centenários que Portugal cumprirá integralmente os seus compromissos ? mas que precisa de mais tempo, melhores condiçoes e mais algum dinheiro.
Mas V.Exa. e o seu ministro das Finanças comportam-se como diligentes diretores-gerais da troika; nao tem a menor noçao de como estao a destruir a delicada teia de relaçoes que sustenta a nossa coesao social; nao se preocupam com a emigraçao de milhares de quadros e estudantes altamente qualificados; e acreditam cegamente que a receita que tao mal está a provar na Grécia terá excelentes resultados por aqui. Nao terá. Milhares de pessoas serao lançadas no desemprego e no desespero, o consumo recuará aos anos 70, o rendimento cairá 40%, o investimento vai evaporar-se e dentro de dois anos dir-nos-ao que nao atingimos os resultados porque nao aplicámos a receita na íntegra.
Senhor primeiro-ministro, talvez ainda possa arrepiar caminho. Até lá, sinto uma força a crescer-me nos dedos e uma raiva a nascer-me nos dentes.

Um comentário:

  1. Augusto Küttner de Magalhãesterça-feira, 01 novembro, 2011

    Vale reler e reter esta excelente parte do que o Nicolau Santos, escreveu:


    Mas V.Exa. e o seu ministro das Finanças comportam-se como diligentes diretores-gerais da troika; nao tem a menor noçao de como estao a destruir a delicada teia de relaçoes que sustenta a nossa coesao social; nao se preocupam com a emigraçao de milhares de quadros e estudantes altamente qualificados; e acreditam cegamente que a receita que tao mal está a provar na Grécia terá excelentes resultados por aqui. Nao terá. Milhares de pessoas serao lançadas no desemprego e no desespero, o consumo recuará aos anos 70, o rendimento cairá 40%, o investimento vai evaporar-se e dentro de dois anos dir-nos-ao que nao atingimos os resultados porque nao aplicámos a receita na íntegra.
    Senhor primeiro-ministro, talvez ainda possa arrepiar caminho. Até lá, sinto uma força a crescer-me nos dedos e uma raiva a nascer-me nos dentes.




    Augusto Küttner de Magalhães

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