segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Primavera Árabe ou Primavera Islamista ?



Primavera Árabe ou Primavera Islamista? (Parte I – o equívoco das grelhas de leitura ocidentais)



por José Pedro Teixeira Fernandes



1. As revoltas ou revoluções que as populações de diversos países muçulmanos, da margem Sul do Mediterrâneo, levaram a cabo desde o início de 2011 têm sido entusiasticamente vistas, por grande parte da imprensa europeia e ocidental, como uma “Primavera Árabe”. A expressão tem uma boa ressonância para o público europeu, evocando diversas imagens históricas e acontecimentos quase míticos do seu passado. O apelo desta forma de designar os acontecimentos, está, também, numa certa nostalgia, na recordação de tempos heróicos e de bravura. Nesse passado, cada vez mais distante para os europeus, estes ainda se revoltavam contra a tirania e os seus regimes autoritários, em nome de valores mais grandiosos do que os da lógica hedonista-materialista em que vivem, ou do “valor” da competitividade que os seus governos lhe dizem ser o único caminho possível. A expressão “Primavera Árabe” é, por isso, uma evocação sublime e tocante de outras "primaveras" europeias. Desde logo, a “Primavera de Praga”, ocorrida na ex-Checoslováquia, no ano 1968, numa revolta contra a opressão e autoritarismo do regime comunista. Esta foi celebrizada na literatura pela obra do escritor checo, Milan Kundera, “A Insustentável Leveza do Ser”, mais tarde adaptada também ao cinema por Philip Kaufman. Foi precursora, em duas décadas, da revolta dos países da Europa Central e de Leste, que levaram à queda do muro de Berlim (1989) e à dissolução do Império Soviético (1991). Todavia, a designação “Primavera de Praga”, um acontecimento da segunda metade século passado, já foi, ela própria, um remake de uma outra Primavera, esta ocorrida no século XIX, a que os historiadores chamaram a “Primavera dos povos” de 1848. Nessa época, desencadeou-se um conjunto de revoltas e revoluções, baseadas num misto de revindicações liberais, democráticas e nacionalistas, ocorridas em grande parte da Europa contra as monarquias tradicionais e os Estados multinacionais governados por dinastias como os Habsburgos do Império Austríaco (mais tarde Austro-Húngaro).


2. Com este quadro mental bem enraizado, o europeu e ocidental interpreta, ainda que o possa fazer de forma inconsciente, a evolução histórica dos outros povos do mundo como decorrendo em direcção a uma finalidade, que é similar à sua própria evolução histórica. Assim, os povos não europeus e não ocidentais – neste caso os árabes –, estarão também destinados, mais tarde ou mais cedo, a ser como nós: a querer a democracia (pluralista e secular), a liberdade (política, de opinião, religiosa, etc.), os direitos humanos (tal como estão inscritos na Declaração Universal das Nações Unidas de 1948). Esta visão teleológica da história, misturada com o wishful thinking de que o rumo dos acontecimentos será no sentido da “boa” evolução da humanidade (pelo menos assim julgam os europeus), levou a imaginar mais uma “primavera”, agora replicada na margem Sul do Mediterrâneo. A questão é saber se este não é um dos mais comuns e enganadores equívocos de leitura dos acontecimentos internacionais, que, em vez de clarificar, não contribuirá, sobretudo, para obscurecer a compreensão de uma realidade que nos é essencialmente estranha. (Fim da Parte I).

Um comentário:

  1. Augusto Küttner de Magalhãesterça-feira, 01 novembro, 2011

    Uma excelente analise, e como é evidente nós europeus, por estarmos mais proximos, mas todo o Ocidente, achou ver ali Primaveras, as tais que de nome foram pela Europa acontecendo.


    Se vai ser possivel haver democracia - Ocidental - naquela região, só o tempo o dirá!

    Ninguem entende o que acontecerá de facto com o Egipto e muito menos com a Libia. E Arabia Saudita face ao petroleo, não aspira a qualquer Primavera...não convem.

    E será que não havendo alternativa à democracia, esta nao deve ser repensada?

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